Direito autoral frente ao paradigma digital - 06 de fevereiro de 2012
MinC expõe sua posição para contribuir com os debates da Campus Party 2012
Neste ano de 2012, estará em curso um debate decisivo para o futuro da
cultura brasileira, e também para a configuração do ambiente base para o
desenvolvimento da economia criativa digital. Trata-se da apreciação,
pelo Congresso Nacional, do projeto de revisão da Lei de Direito
Autoral, que busca também contemplar a necessária atualização do marco
regulatório frente às demandas do paradigma digital e das redes.
Conduzido até aqui pelo Ministério da Cultura, em debate com outros
ministérios e com diversos setores da sociedade, o processo de
construção da proposta buscou contemplar o delicado equilíbrio entre os
múltiplos interesses envolvidos na economia da cultura. Uma premissa
básica desse processo de diálogo com a sociedade brasileira é
compatibilizar as conquistas sociais proporcionadas pela facilidade de
acesso à informação trazida pela internet com o devido respeito aos
direitos autorais na rede.
Nesta última etapa de formulação foi introduzida uma novidade
importante, sobre a qual gostaríamos de tecer alguns comentários.
Trata-se da proposta do registro unificado de obras intelectuais, cujo
objetivo é reunir de forma organizada, em uma única plataforma pública,
um conjunto de informações referenciais sobre o conteúdo da produção
cultural e artística brasileira.
De acordo com a proposta, as informações de registro autoral serão
disponibilizadas de acordo com o modelo ‘dados abertos’ (open data),
consistente na publicação e disseminação das informações do setor
público na web, compartilhadas em formato público e aberto,
compreensíveis logicamente, de modo a permitir sua reutilização em
aplicações digitais desenvolvidas pela sociedade. Na perspectiva de
médio e longo prazo, a base do registro unificado de obras irá operar em
sintonia com outras plataformas, aplicações e serviços dedicados à
promoção do acesso a conteúdos digitais, e ao gerenciamento de direitos
autorais.
Com a introdução da plataforma de registro unificado de obras, surge a
oportunidade de se regulamentar um conjunto de licenças públicas,
contemplando as especificidades da circulação em meio digital, a ser
definida pelo próprio autor ou detentores dos direitos no ato de
registro de sua obra. Tais licenças deverão ser concebidas respondendo a
demandas específicas dos diversos setores (música, audiovisual,
fotografia, literatura etc.), e serão implementadas de forma a permitir
que os referidos detentores de direitos sobre a obra definam o grau de
proteção e de incentivo à circulação que desejam lhe imprimir.
Uma vez implantada, a plataforma de registro unificado com licença
pública poderá prover a necessária segurança jurídica para que a obra
seja explorada por diferentes arranjos negociais, e oferecer condições
de gerar os indicadores para a avaliação de desempenho destes novos
modelos, gerando informações valiosas para futuros investimentos no meio
digital. Esta mesma base de dados oferece também uma oportunidade única
para acesso e gestão otimizadas das obras caídas em domínio público, o
que garante seu verdadeiro propósito que é o de permitir a difusão e o
acesso amplo desses bens do espírito para toda a sociedade.
Quanto às obras autorais que ainda não se encontram em domínio
público, a idéia da livre circulação apregoada na internet projeta um
cenário no qual os serviços relativos aos conteúdos, ao invés da própria
informação, se tornam as principais fontes de ganho econômico. O modelo
de livre circulação, que na prática significa “conteúdo grátis”,
pressupõe a publicidade como arranjo negocial fundamental da dimensão
aberta da economia da informação. No entanto, a sua legitimidade demanda
a liberação prévia desses conteúdos de criação intelectual por seus
titulares, segundo as normas de direito autoral internacional e nacional
vigentes, que lhe asseguram a sua remuneração.
O modelo de exploração de conteúdos na internet deve acolher, assim,
por premissa, o respeito ao direito autoral, visto que os meios
tecnológicos e a rede mundial podem assegurar aos titulares desses
direitos novas formas de utilização das obras intelectuais, com a sua
pronta distribuição e reprodução em grande escala, e a um custo
irrisório – uma vez que o meio digital despreza a necessidade de um
suporte físico para sua propagação e proporciona a diversidade de
conteúdos protegidos e a ampliação de acesso aos bens culturais. A
despeito dessas possibilidades, inauguradas com o meio digital e a
internet, que oferecem uma maior autonomia ao criador, artistas e
produtores independentes, modelos de negócios estão se revelando
concentradores e refratários a novos concorrentes e investidores.
A efetividade do modelo de agenciamento da publicidade nos ambientes
onde os conteúdos são referenciados (máquinas de busca e redes sociais)
depende de escala. Isso explica o crescimento exponencial de gigantes
como o Google e o Facebook. Mas esse modelo enquanto hegemônico torna-se
obstáculo à concepção de uma política nacional ampla para o ambiente
digital, com vistas à proteção da criação intelectual, à garantia
efetiva de independência econômica de criadores e detentores de direitos
autorais, à alocação distributiva de novos investimentos e à promoção
da diversidade cultural na rede.
Assim, o processo de elaboração do registro unificado com a licença
pública das obras audiovisuais, literárias, musicais, visuais e
fonogramas, além de considerar a legitimidade de todos os titulares e
dos produtores dessas criações intelectuais para delas disporem na forma
e extensão que deliberarem para a sua circulação na rede, encampa o
fato de que o novo sistema econômico delineado nesse ambiente poderá
proporcionar múltiplos modelos alternativos a favor dos autores,
investidores e a sociedade.
Diante da demanda dos modelos existentes e o porvir de utilização,
exploração e fruição da criação intelectual no ambiente digital,
selou-se a importância de reforçar, jurídica e tecnologicamente, no novo
sistema de registro e licenciamento público que se propõe, a atribuição
de autoria e a expressa determinação dos respectivos titulares quanto
aos usos possíveis do objeto fruto de sua criação. A partir deste
arranjo jurídico-tecnológico, estabelecido com base no modelo de ‘dados
abertos’, temos expectativa de que novas aplicações e serviços para
promoção e monitoramento da circulação dos conteúdos surgirão de acordo
com a intenção dos criadores em sua relação com a dinâmica própria da
economia criativa.
Ana de Hollanda
Ministra de Estado da Cultura
Ministra de Estado da Cultura
Sergio Mamberti
Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura
Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura